Vejam o absurdo que pode ocorrer com a cultura de Niterói. O meio cultural de Niterói, ex-capital do estado, está absolutamente revoltado com os rumores de que a secretaria de Cultura do governador Sérgio Cabral, Adriana Rattes, quer despejar a Academia Fluminense de Letras do prédio que ocupa no centro da cidade.
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O intento da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, de remover a AFL de sua sede histórica foi confirmado por três fontes - uma da Assembléia Legislativa, outra da Prefeitura de Niterói e a terceira da própria Secretaria de Cultura do Estado. A motivação da secretária seria - certamente por ignorar o funcionamento e a importância da AFL - uma presumida subutilização do espaço, que, no seu entender, de acordo com as fontes, poderia servir melhor à própria biblioteca.
No entanto, a se confirmar, o desalojamento da instituição representaria, mais do que uma agressão à cultura fluminense, uma afronta à Lei 2.162, de iniciativa do Governador Feliciano Sodré, aprovada pela Assembléia Legislativa em 7 de novembro de 1927, quando do início das obras do prédio, a qual destinava o pavimento superior à Academia Fluminense de Letras. O mesmo texto legal determinava o repasse à entidade de uma verba de sete contos e duzentos mil reis anuais, com o objetivo de financiar a publicação de uma revista da academia e de livros de autores fluminenses, obrigação que tem sido solene e repetidamente ignorada pelos governos estaduais.
A intenção, se consumada, representará um ato de total desprezo pela cultura e pelas tradições fluminenses, praticado justamente por quem deveria ter o dever de apoiá-las e defendê-las. Oitava academia literária de âmbito estadual, fundada em
A necessidade de recuperar o orgulho e a autoestima de um estado que foi, de fato, a locomotiva econômica - além de política - da Nação, bem antes de São Paulo se apregoar como tal, incendiava o grupo de intelectuais responsável pela criação da academia, que elegeu, entre os maiores vultos fluminenses, os seus 48 patronos. Lá estão os nobres nomes da Velha Província, como os Viscondes de Itaboraí e de Sepetiba, junto com alguns dos maiores expoentes do romantismo brasileiro, a exemplo de Casimiro de Abreu e Fagundes Varella, também ao lado de ícones contemporâneos àquela época, como Euclydes da Cunha e Alberto de Oliveira, cujas presenças vinham confirmar, mesmo em um momento tão difícil, a projeção intelectual da terra no cenário nacional.
Enquanto naufragava o projeto urdido por Nilo Peçanha para apresentar ao país uma proposta de superação da política café-com-leite de alternância de poder entre Minas e São Paulo, que colocaria o Estado do Rio novamente no centro das decisões, Feliciano Sodré e intelectuais de Niterói lançavam um movimento pela “renascença fluminense”. O então governador do Estado, responsável pela renovação da paisagem urbanística da cidade com um conjunto de grandes obras, como a da Praça da República, com as belas construções neoclássicas do seu entorno, não titubeou ao destinar o segundo andar do prédio da Biblioteca Estadual - um dos que ali surgiam - à Academia Fluminense de Letras, identificando em sua ideologia uma sólida base de apoio à causa fluminense.
O mesmo espírito animava outras rodas intelectuais da antiga capital, como a líteroboêmia do Café Paris, de onde saíram os fundadores, poucos anos depois de criada a Academia Fluminense de Letras, do Cenáculo Fluminense de História e Letras. Nomes como José Cândido de Carvalho e Marcos Almir Madeira, entre outros, foram guindados da AFL à Academia Brasileira de Letras. Pelas suas cadeiras tem passado a nata da intelectualidade fluminense e, ainda atualmente, sob a presidência austera e firme de Edmo Rodrigues Lutterbach, a academia se mantém como um bastião vivo do fluminensismo.
Hoje, quando a identidade fluminense se vê novamente enxovalhada, de uma forma ainda mais grave, pois se incorporou ao estado, pela chamada fusão, uma capital alheia à sua história e tradições, como bem se revela nesta ameaça sombria que paira sobre a AFL, a defesa da Academia Fluminense de Letras se torna um dever cívico de todos aqueles que têm o sentimento de pertencimento a uma terra sobre a qual cantou Casimiro de Abreu:
Tem tantas belezas, tantas,
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
E nem as canta um mortal!
- É uma terra de amores
Alcatifada de flores
Onde a brisa em seus rumores
Murmura: - não tem rival!
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