TV Globo atuou como polícia na Satiagraha

A Rede Globo continua fazendo cara de paisagem para a denúncia gravíssima de que atuou como agente policial na Operação Satiagraha. Não desmente a acusação, e nem pode, porque estaria negando o óbvio. Mas foge do assunto como o diabo foge da cruz. Para ativar a memória do leitor: durante a Operação Satiagraha, o delegado federal Protógenes Queiróz solicitou à Rede Globo um cinegrafista e um equipamento de vídeo para filmar uma suposta tentativa de suborno de delegados por representantes do banqueiro Daniel Dantas. Pedido feito, pedido atendido.

No momento em que se dispôs a colaborar com a investigação – oferecendo pessoal e equipamento - a Rede Globo de Televisão abdicou do jornalismo para travestir-se de agente policial. A cena foi filmada e levada ao ar pela própria Globo, que teve, é claro, direito de exclusividade. Discute-se, agora, se houve de fato uma tentativa de suborno naquele encontro “coberto” pela Globo por ordem da PF. O delegado Protógenes garante que sim; o banqueiro Daniel Dantas jura que não. O que nenhum dos lados nega é que uma emissora de televisão – a maior do país – atuou como força policial e não como empresa jornalística. Daniel Dantas afirmou ontem, na CPI dos Grampos, que o vídeo feito pela Globo foi manipulado e montado para dar a impressão de que houve tentativa de suborno.

Segundo a reportagem da Globo, ninguém acreditou no banqueiro. Como mesmo os mais desatentos telespectadores do Jornal Nacional perceberiam que há alguma estranha cumplicidade entre a PF e a Globo nesta história, a empresa mandou o âncora Willian Bonner ler um editorial, logo depois da reportagem, para engambelar o público. Eis um trecho do editorial: “Em respeito ao sigilo da fonte, que é um princípio assegurado pela Constituição, a TV Globo sempre se viu impedida de comentar a maior parte das afirmações que têm sido feitas.

A situação é a mesma nesta quinta. “Como nós dissemos desde o primeiro dia, a credibilidade do jornalismo da Globo faz com que ela tenha fontes na sociedade civil em geral e em todas as esferas do setor público. Não foi diferente neste caso. “Mas a TV Globo pode assegurar que, nos nossos telejornais, o áudio e o vídeo relativos à Operação Satiagraha foram sempre apresentados separadamente, sem que jamais tenham sido superpostos.” O sigilo da fonte não está em discussão neste caso, diferentemente do que afirma a TV Globo.

O que deve ser discutido é se uma emissora privada que atua como concessão pública tem direito de colaborar numa investigação policial. Que a Globo tenha fontes na sociedade civil ninguém questiona. O que está sendo questionada é a razão pela qual a maior emissora de televisão do país acata o pedido de uma fonte – o delegado da PF – e fornece gente e equipamento para fazer escuta e filmagem clandestina no meio de um inquérito. Finalmente, Willian Bonner troca a cara de paisagem por um olhar sério e grave para jurar de pés juntos que a TV Globo não manipulou o vídeo que fez para a PF. Frase solene, que tem por objetivo apenas desviar a atenção de todos do assunto principal.

Tenha ou não manipulado o vídeo – quem quiser que ponha a mão no fogo pela Globo – o que realmente interessa é que a emissora explique porque agiu como agente policial. É esta explicação que a Rede Globo deve à nação. Que pelo menos se explique ao telespectador, já que conseguiu escapar tranquilamente de qualquer cobrança dos sindicatos de jornalistas, da Associação Brasileira de Imprensa, da Federação Nacional dos Jornalistas e do Ministério das Comunicações.

EIS O PRIMEIRO COMENTÁRIO QUE FIZEMOS SOBRE ESTE ASSUNTO: O delegado federal Amaro Ferreira, encarregado de um inquérito interno para apurar eventuais abusos cometidos pelo seu colega Protógenes Queirós na operação Satiagraha, chegou a pelo menos uma conclusão que causa espanto: segundo ele, a TV Globo forneceu equipe e equipamento para que a PF filmasse um jantar entre representantes do banqueiro Daniel Dantas e agentes da polícia. Neste encontro, teria ocorrido uma tentativa de suborno dos policiais.

O filme tornou-se peça fundamental do inquérito contra Daniel Dantas e outros acusados de fraude e desvio de recursos. Protógenes, segundo o delegado Amaro, usou uma equipe da TV Globo para filmar o encontro no restaurante El Tranvia, em São Paulo. A TV Globo, dizem os jornais, não vai se pronunciar sobre a denúncia. Pois devia. Tinha o dever de explicar à opinião pública, eventualmente às autoridades, em nome do que uma emissora de televisão, simplesmente a maior do país, decide se transformar em ajudante de policiais. Desde quando o telejornalismo da Globo ganhou insígnia da PF e autorização para fornecer pessoal e equipamento para policiais em meio à investigação de crimes? É possível entender que a TV Globo tente, depois de concluído um inquérito da PF ou de qualquer polícia, aproximar uma equipe sua dos agentes para filmar as prisões.

Todas as emissoras, se pudessem, fariam o mesmo. Só não o fazem porque, de maneira geral, os delegados que presidem inquéritos dão preferência à Globo, por exibicionismo ou sabe-se lá que razões ainda menos dignas. O que a TV Globo decididamente não tem direito de fazer é emprestar cinegrafista e câmera para ajudar um elegado a produzir provas numa ação investigativa. É abusivo. É possível que seja criminoso. É desvio de conduta que devia chamar a atenção do ministério das Comunicações.

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