Um Rio de Janeiro propositadamente esquecido por Sérgio Cabral e Eduardo Paes

Nessa segunda-feira que deveria ser de festa pelo aniversário da Cidade Maravilhosa, o colunista Marcelo Migliaccio e blogueiro relata uma parte da cidade que nem foi esquecida por Cabral e Paes. Não foi esquecida porque eles não a conhecem.

Leiam abaixo:

Notícias do interior

Por Marcelo Migliaccio
Enquanto o governo do Rio ocupa as favelas da orla com a Polícia Militar e louváveis esforços para resgatar a dívida social, na Zona Norte e na Baixada o crime desorganizado carioca faz o que quer.

Aliás, se eu morasse para além dos túneis Rebouças e Santa Bárbara já estaria reclamando, porque estão empurrando a bandidagem para as bandas de lá.

Em Irajá (Zona Norte do Rio), existe uma comunidade, da qual vou omitir o nome, em que vive um amigo meu.

Lá, onde não se fala em polícia pacificadora nem em obras do Programa de Aceleração do Crescimento, as leis são diferentes. Quem manda é o tráfico.

Um viciado em crack roubou uma bicicleta na comunidade e foi a julgamento lá mesmo. Como seu crime foi considerado leve, ele não acabou num micro-ondas (aquele monte de pneus pronto para ser queimado com um infeliz dentro).

O juiz do tribunal local sentenciou-o apenas a levar um tiro em cada palma das mãos. Depois dos disparos, foi mandado para casa, porque a sentença tinha uma segunda parte. Ele não pôde sair à rua por um mês, não pode ir a um hospital tratar os tiros que levou.

Aliás, decidiram parar de vender crack, porque até os membros da quadrilha estavam causando problemas por também consumirem a droga.

Assim é a lei num lugar que, por incrível que pareça, anda mais calmo que há alguns meses, época em que a quadrilha que mandava era composta por gente de fora, sem nenhum compromisso ou laço com os nascidos ali.

O resultado disso é que os bandidos roubavam carros e caminhões e levavam para o interior da favela, o que atraía invariavelmente a polícia naquelas investidas que põem os moradores apavorados no meio do fogo cruzado.

Uma vez, roubaram um caminhão frigorífico cheio daquelas postas enormes de carne. Num raro gesto amistoso, distribuíram aos moradores. Mas o veículo tinha rastreador, e a Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas cercou o lugar, "tampou", como se diz na gíria.


O cunhado desse meu amigo, coitado, estava com um pedaço de carne na mão e levou uns tapas pra deixar de ser esperto. Bandido que é bom não prenderam nenhum...

De outra feita, a mulher desse meu amigo foi ao posto médico próximo à comunidade. Estarrecida, ela ouviu de uma doutora que mais da metade das adolescentes da favela é HIV positivo.


Também, com baile funk e pagodes bancados pelo crime de segunda a segunda, nenhuma virgem escapa.

E ai de quem reclamar do barulho, já que a festa vai até o dia clarear. De segunda a segunda, sempre cheia de jovens que não acreditam em estudo, tampouco querem os serviços que o sistema reserva a quem fugiu da escola ou não pôde estudar porque teve que trabalhar cedo para comer.

Mas, agora, pelo menos os bandidos são dali mesmo, porque sua facção expulsou os invasores. Não levam mais carros roubados para dentro e são mais complacentes em seus julgamentos sumários. Um homem que bateu na mulher, por exemplo, foi apenado com uma semana sem colocar a cabeça para fora de casa.

Mas esse meu amigo, que é evangélico, só pensa em se mudar de lá, para que seu filho de 4 anos não tenha o mesmo futuro dos adolescentes que ele vê bebendo e se drogando todos os dias quando volta após uma dura jornada de trabalho.

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